Tragédia mais que anunciada
O Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671/2003) afirma que “a prevenção da violência nos esportes é de responsabilidade do poder público, das confederações, federações, ligas, clubes, associações ou entidades esportivas, entidades recreativas e associações de torcedores, inclusive seus respectivos dirigentes, bem como daqueles que, de qualquer forma, promove, organizam, coordenam ou participam dos eventos esportivos” (Capítulo I, Art. 1º-A, sobre as Disposições Gerais). Resgatando-se da provável abrangência, o texto ainda reforça que “os planos de ação de que trata o caput serão elaborados pela entidade responsável pela organização da competição, com a participação das entidades de prática desportiva que a disputarão e dos órgãos responsáveis pela segurança pública, transporte e demais contingências que possam ocorrer, das localidades em que se realizarão as partidas da competição” (Capítulo IV, Art. 17, § 1o).
Foi com base nestes trechos que José Luiz Portella, durante o jornal CBN São Paulo, alertou sobre a falta, incipiente ou até ingênua comunicação e cumplicidade entre as entidades desportivas privadas (os clubes) e os órgãos públicos (Polícia Militar, CET e Samu, principalmente). De acordo com o comentarista, falta inteligência (não apenas no sentido literal do termo) nos planos de ação elaborados pelos órgãos públicos e privados para a segurança dos torcedores.
Com a ajuda de Paulo Vinicius Coelho (o PVC, reconhecido comentarista esportivo), vamos voltar no tempo, mais precisamente a 19 de Agosto de 2011. Neste exato dia, a cúpula (chamemos assim) das torcidas organizadas do São Paulo, Corinthians e Palmeiras entregaram à Polícia Militar um mapa da cidade de São Paulo que indicava os pontos de maior risco para a ocorrência de confrontos entre as torcidas rivais. Neste mapa, a Avenida Inajar de Souza e o Terminal Cachoeirinha (zona Norte de São Paulo) estavam marcados com um “x”.
Ontem (25/3), corinthianos e palmeirenses se enfrentaram na avenida apontada por eles mesmos como local de grande probabilidade de confrontos. A polícia foi acionada após o início da briga, que envolveu cerca de 300 torcedores, e chegou ao local quase uma hora depois do estopim. E para quê? Para assistir a briga, pois o contingente relacionado para apartar a confusão não era o suficiente. Portanto, temendo por suas próprias integridades físicas (ou seja, sensatez), nada puderam fazer de efetivo para conter os torcedores, como contou o cabo Adriano e entrevista ao jornal CBN São Paulo. E só mais um detalhe: há fortes suspeitas de que a briga tinha sido marcada pela internet.
Creio ser desnecessárias maiores delongas que corroborem o alerta feito por Portella. Falta. E muita. Agora, apenas como curiosidade, deixo abaixo um trecho peculiar (ao menos a meu ver) sobre o Estatuto do Torcedor. Você sabia que praticar a violência em um raio de 5 mil metros envolta do estádio (ou local onde é realizado o evento esportivo) tem pena de reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa, sendo obrigatório o juiz, em caso do praticante ser réu primário, converter a pena à restrição de comparecimento às proximidades do estádio por até 3 (três) anos? Enquanto isso, fraudar o resultado do jogo prevê pena de 2 (dois) a 6 (seis) anos. Sei que um dolo não justifica, impede ou se superpõe a outro, mas isso me parece certa deturpação de prioridades.
CAPÍTULO XI-A
DOS CRIMES
Art. 41-B. Promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local restrito aos competidores em eventos esportivos:
Pena - reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa.
§ 1o Incorrerá nas mesmas penas o torcedor que:
I - promover tumulto, praticar ou incitar a violência num raio de 5.000 (cinco mil) metros ao redor do local de realização do evento esportivo, ou durante o trajeto de ida e volta do local da realização do evento;
II - portar, deter ou transportar, no interior do estádio, em suas imediações ou no seu trajeto, em dia de realização de evento esportivo, quaisquer instrumentos que possam servir para a prática de violência.
§ 2o Na sentença penal condenatória, o juiz deverá converter a pena de reclusão em pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de 3 (três) meses a 3 (três) anos, de acordo com a gravidade da conduta, na hipótese de o agente ser primário, ter bons antecedentes e não ter sido punido anteriormente pela prática de condutas previstas neste artigo.
§ 3o A pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, converter-se-á em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta.
§ 4o Na conversão de pena prevista no § 2o, a sentença deverá determinar, ainda, a obrigatoriedade suplementar de o agente permanecer em estabelecimento indicado pelo juiz, no período compreendido entre as 2 (duas) horas antecedentes e as 2 (duas) horas posteriores à realização de partidas de entidade de prática desportiva ou de competição determinada.
§ 5o Na hipótese de o representante do Ministério Público propor aplicação da pena restritiva de direito prevista no art. 76 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, o juiz aplicará a sanção prevista no § 2o.’
Art. 41-C. Solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva:
Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa.’
FONTES: